O Reino do Algarve e a Reconquista do Vinho Algarvio
Filipe Caldas de Vasconcellos é o CEO pela propriedade do Morgado do Quintão e está empenhado em construir a narrativa de uma quinta que data de 1810. A manutenção do legado histórico está espelhada no artigo que se segue. Espaço em que o autor argumenta o porquê do Algarve ser uma região de excelência de vinha português.
Este artigo é um exclusivo da newsletter #09 da HMW, que tem como tema a região dos vinhos algarvios.
Como é que tem sido a evolução da região?
O Algarve foi considerado, durante séculos e até à proclamação da República Portuguesa, como o segundo reino da Coroa Portuguesa — um reino de direito separado de Portugal, ainda que de facto não dispusesse de instituições, foros ou privilégios próprios, tão pouco autonomia. Atualmente o Algarve está integrado na definição territorial portuguesa excepto, talvez, no que toca a um dos seus frutos – o vinho.
Quando iniciei a gestão de uma das propriedades da família, o Morgado do Quintão, inicialmente fundada pelo meu trisavô, o conde de Silves, e visitava restaurantes em Lisboa, invariavelmente era recebido com “mas no Algarve há vinho?”. Tentava, e não terá sido em vão, refutar a ideia dizendo que a casta portuguesa mais antiga se chama Negramole e existe quase em exclusivo no Algarve, e reza a história de que os Fenícios trouxeram o vinho para a Península Ibérica por barco pelo sul do País. Os vestígios de que há vinho no Algarve são fortes e evidentes mas a percepção do consumidor português de hoje é a de que não há vinho (de qualidade) no Algarve. Esta aparente fragilidade é a maior das oportunidades para os produtores algarvios: agarrando o desafio de (re)construir e relançar a região como produtora de vinho.
Desde 2016 que fazemos os nossos vinhos a partir das castas Negramole, Crato Branco e Castelão, de velhas cepas sabiamente plantadas e conservadas pelas gerações anteriores, outrora usadas nos vinhos de volume feitos pela Adega Cooperativa de Lagoa. Se hoje exportamos para mercados internacionais e estamos em cartas de restaurantes com estrelas Michelin deve-se ao facto de, simplesmente, assumirmos, com enorme sentido de missão, em conjunto com outros colegas produtores, o nosso papel catalisador do relançamento da região.
Este Algarve do vinho tem subjacente características que contribuem decisivamente para o sucesso futuro da região algarvia, neste trabalho de reconquista do território algarvio enquanto região vitivinícola de excelência:
- Terroir: Enquanto combinação única de fatores naturais, como solo, clima, topografia e condições geográficas, que afetam o cultivo das uvas. Uma região vitivinícola bem-sucedida tem um terroir favorável, que permite o cultivo de uvas de qualidade e, por isso, a produção de vinhos de qualidade.
- Castas: A escolha das variedades de castas mais adequadas para o terroir específico é fundamental. Cada região possui castas que se adaptam melhor às suas condições climatéricas e de solo, resultando em vinhos de qualidade. Dificilmente se fará no Algarve o melhor Sauvignon Blanc do mundo, mas talvez se poderá fazer aqui o melhor Negramole do mundo.
- Conhecimento e experiência vitícola: A presença de produtores, viticultores e enólogos experientes é fundamental para o sucesso de uma região vitivinícola. O conhecimento sobre práticas vitícolas, técnicas de vinificação e gestão de adega é essencial para produzir vinhos de qualidade. O Algarve precisará de atrair talento para a região para que a mesma continue a crescer de forma sustentável.
- Qualidade e consistência: Uma região de vinhos bem-sucedida precisa de ser capaz de produzir vinhos de alta qualidade de forma consistente ao longo do tempo. Isso requer atenção aos detalhes em todas as etapas do processo, do cultivo das uvas até ao produto final na prateleira das garrafeiras ou nas mãos dos sommeliers. A qualidade é fundamental para conquistar a confiança dos consumidores e estabelecer uma reputação sólida e isso demora tempo–a reputação, conquistada pelo reconhecimento dos vinhos, demora tempo. E é preciso dar esse tempo ao tempo.
- Promoção e marketing: Uma região tem que investir em promoção e marketing para divulgar os seus vinhos e atrair consumidores. Participação em feiras, eventos de enoturismo e festivais de vinho, além de desenvolver estratégias de marketing eficazes e ambiciosas, idealmente concertadas entre parceiros produtores, são ações importantes para aumentar a
visibilidade dos vinhos e da região. - Infraestrutura e enoturismo: A existência de infraestruturas adequadas, adegas e serviços de apoio, é crucial para o desenvolvimento da região. Além disso, o enoturismo desempenha um papel cada vez mais importante, permitindo que enoturistas explorem vinhas, conheçam produtores, participem em provas e vivam a cultura do vinho, gerando receita adicional e promovendo a região como destino turístico.
O sucesso do Algarve está a ser construído através do esforço conjunto de entidades ligadas ao vinho: mas o maior desafio de (re)construir esta região, que outrora esqueceu o vinho, está na mão de um grupo cada vez mais interessante de produtores que merecem ser conhecidos, nem que seja pelo trabalho árduo de reconquista que fazem no dia a dia do Vinho Algarvio.
Filipe Caldas de Vasconcellos